segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Petrek se foi sonhando....

Petrek se foi sonhando…


Os emblemas e dilemas da vida de Antonio Petrek estiverem todos sempre depositados em seus sonhos. Eu o conheci fazem mais de 40 anos, época em que viveu o auge de sua carreira e de uma vida permeada de misterios. Depositava sempre os sonhos do passado no futuro, e vivia esse zigue zague, sem que lhe interessasse o presente. Foi vítima de exploração, de trairagem, e do velho e incompreendido amor. Amigo dos amigos, lhes dava até mesmo sua camisa. A paga de sua pureza e singeleza valeu-lhe aborrecimentos, e ao menos a sorte do isolamento de um eremita, que cansou rapidamente de viver, foi por fim a verve de sua trajetória. A vida lhe era o oposto. Viveu a dureza de um prolongado inverno. Sem o pai, e criado pela avó, viveu intensamente a adolescência, a juventude. Correu, foi corrido, deu e levou bofetadas, em nome de um rígido caráter que era álibi justificado pela exagerada confiança nos amigos. Pescou as boas pescarias para ficar com a cabeça do peixe. Tudo era dado e dividido. Deu, certa vez, guarida para um judeu ucraniano perdido por aqui. A contenda persecutória ao amigo virou horas de bate-boca, socos, e ameaças..(sic) Em outra, enfureceu quatro policiais que o cercavam e que bateram em retirada..(sic)


Êêê Petrekão....brigava pelos amigos e por seu amor. E ficou só....


Passei anos de minha juventude, e por horas em tardes de domingo, quando ele vinha descansar na casa de sua mãe, vendo aquele possante homem sentado de viés e olhando pela janela, segurando com persistência um grosso cigarro de palhas, cujas cinzas lhe caiam ao colo, sem que ele mesmo percebesse. Com o braço esquerdo livre, e o direito no parapeito da janela, seu olhar fixava um ponto...(sic). O pátio da estação férrea lhe era uma grande referencia. Até os últimos anos de sua vida lembrava de um entroncamento para manobras de trens, das pilhas de lenha, de madeira, da máquina anilada da linha Rio de Janeiro a Montevideo, das tropas de Getulio ( memórias ), do sino e dos sinais entre chefes de estação e “maquinistas”, do vagão de jornais , livros e revistas, do footing, dos incidentes de trens patinando em plenos trilhos de ferro, da armadilha, da mordaça, do Sanchez salvador, da hospitalização, dos habeas-corpus – o exclusivo da 2ª Guerra e de um juiz que ouviu seu amigo em defesa - , dos vapores, dos malotes, e do amor de sua vida. Ainda dessa janela, o olhar alcançava o portão da estação – ponto crítico-, onde normalmente ficava estático com um chapéu cobrindo-lhe os olhos..(sic)...e um pouco mais acima, o velho cinema e tantas histórias, e como nesse mesmo olhar também não lembraria de suas pescarias, de um caixinha de fósforos que guardava um bilhete ?


Essa riqueza de detalhes ele guardou consigo por mais de 30 anos. O tempo arrastou-se, nossa amizade fortaleceu-se, e após seus 70 anos de vida foi me revelando tudo aos poucos. Esse foi seu testamento, e eu guardo o orgulho de ter vivido e ouvido suas alegrias e pesares.


Dócil e cativante com as crianças, desconfiado e resignado, por vezes, com o tamanho de um mundo de maldades e contrariedades que se lhe aparecia, insistia em nutrir lembranças. Foi o astro de seu próprio teatro, de um cenário simples e rico ao mesmo tempo. Viveu o quanto pode. Com as cortinas se fechando, teve a benção de se ver livre dos hipócritas e usurários. Como gastou suas tristezas todas por aqui, há de estar em meio aos devaneios dos anjos.


Ave, mestre e querido tio Antonio !



Teobaldo Mesquita

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