sábado, 28 de agosto de 2010

Hastes às bandeiras.

Hastes às bandeiras

Eram 17:10 quando dei-me com a rua, que encontrou-me com uma brisa úmida do leste, em meio a um leve mormarço que anunciava chuva. Enquanto levava a mão ao mastro da bandeira, já na calçada, mil pensamentos misturaram-se a uma velocidade indescritível. Levei a mão esquerda para ganhar rapidez, e desatei o mastro das argolas de ferro e a recolhi para dentro da prefeitura tão rapidamente como meus devaneios. Parecia um tesoureiro que lacra um cofre cheio de dinheiro, cheio de ouro. Deitei a bandeira no sofá. Olhei para ela, lembrei de meu padrinho Nestor, e que era o ultimo dos três dias de luto oficial decretado pelo Solda. Bandeira de meio pau. Não me prendi e ganhei o corredor para poder ganhar o pátio e ir-me embora. Viajei até minha casa com a visão daquele homem. Estava ainda impregnado, estimulado e comovido. Lembrei que ainda ao meio-dia em minha siesta de quarto escuro, solucei e lacrimejei. Tenho esse costume de adiar a dor. Tenho essa mania de sofrer a conta gotas. Tenho esse lado humano que me surpreende. Tenho tudo para ser gente...

O episódio das bandeiras não supera a perda de Nestor Martynetz. Meu querido e amado padrinho. Pensei que a bandeira que abraçava seu corpo, seu ataúde, tinha mais privilégios do que eu. Pensei e deduzi a coisa certa. Jamais havia abraçado meu amado padrinho. E naqueles dias, nesses poucos dias passados, o que mais senti foi a vontade de abraçá-lo, como ele pode também ter sentido tal coisa, quando ainda vivo. Nada e nem ninguém a detrimir, mas o abraço se mostrou tão necessário nestes dias, como o prato de comida e o copo de água. O vi apenas. Calmo, sereno, elegante, bem rodeado, e já abraçado certamente. Faltou o meu. Mas o vi. Nunca houvera sentido tal opressão em meu peito. Faltou-me o abraço. Dei-lhe um adeus condoído. Fiquei tranqüilo, porque ele estava tranqüilo. Sempre, eu e ele, fomos altivos em pequeno excesso. Resta para ficar, a saudade e o sentir de um amor tênue, leve, mágico, que me faz bem. Resta a nós, nós mesmos, eu e ele.

O meritíssimo senhor e cidadão honorário de Rio Azul, Nestor Leonides Martynetz era um prudentopolitano descendente de ucranianos. Foi coletor da Receita do Estado. Sua formação escolar aconteceu nos seminários de padres do Verbo Divino e também do rito ucraniano, São Josafat, em Prudentopolis. Ainda como coletor de rendas, atuou em São Joao do Triunfo e Bela Vista do Paraíso. No maio de 1950, casou-se com a senhorita Hladczuk, de também descendência ucraniana. Seu nome, Julia. Amada, e mulher de fibra ( Júlia, significa enérgica ), foi minha madrinha. Saudades.

O empreendimento de Nestor à frente da administração galgou um progresso estrutural de muitíssimo significado. Construiu a fábrica de manilhas, pavimentou diversas ruas, e foi o prefeito das vias rurais, dos alargamentos de estradas, e da abertura de novos caminhos no interior do Municipio. Concluiu ainda a construção da Praça Tiradentes, iniciada por outro querido amigo, Albino Ianoski.

Nestor que casou-se em maio, deixou-nos em maio. E deixou-nos no dia das mães. Quando seu ataúde foi introduzido na câmara de sua esposa, querida Julia, vi seus filhos e filhas entregando o pai para a mãe no dia seguinte ao dia das mães. Significativo isso. Não apenas simbólico.

Quero aqui abraçar toda a familia. Mas ainda preciso falar de meu padrinho Nestor. Homem altivo O que deprecia os orgulhosos, era nele o seu carisma. Seu sorriso era um sol. Suas palavras, mesmo duras quando necessárias, educava, ensinava e aconselhava. Sempre o considerei o eterno conselheiro.

Muito poucos tinham o moral e a moral que este vergava. Vi-o pessoalmente faltando uns dez dias de seu passamento. Em frente a uma farmácia de Rio Azul, e elegantemente apoiado a uma bengala. Viu-me claramente, sorriu-me largamente, e produziu-me satisfação. Eu que não o havia visto há mais de um ano, e carregava o peso dessa obrigação, senti-me aliviado com aquele olhar candido. Como aquilo me fez bem. Seu sorriso me perseguiu na medida em que diminuí a velocidade. Foi uma bençao de pai Abrãao, foi uma despedida muda, uma despedida almejada por grandes, por aqueles que entendem-se pelos olhares. Minha reverencia tocou-lhe. Senti isso. Levantei a mão direita com jeito para meu padrinho Nestor. Agora sei que foi um adeus.

Às hastes, as bandeiras. Nestor foi mandatário em uma época difícil para o país. Nestor foi prefeito do tempo não só de obras, mas de bandeiras, de hinos, de reverencias, de respeito. Coisa rara hoje. Com Nestor em sua despedida, voltam as bandeiras. A do ataúde vai subir e tremular, para provocar o fulgor juvenil por este chão benquisto. Com a Bandeira Nacional e a Bandeira do Paraná – é ordem do prefeito Solda - , voltam as bandeiras. Nestor, trouxe-nos o gosto e o maravilhamento pelas bandeiras. Serão dispostas sob a marquise da prefeitura. Todas. De Rio Azul, do Paraná, e do Brasil. Amem-nas. Estarão lá.

Que simbiose tão digna. Nestor vai-se, e nos deixa a lição das bandeiras.

Esta, é uma pequena homenagem ao ex-prefeito de Rio Azul, Nestor Leonides Martynetz.

Querido padrinho. Faltam-me palavras. Tenha-no Deus, como o temos em nosso coração !

Teobaldo Mesquita

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